Mas como a Democracia é o menos mau dos sistemas, vamos andar nisto sem solução. Democraticamente nesta "ditadura" de procedimentos e de "fintas" à lei.
Imagem Expresso
Os partidos utilizam verbas parlamentares para pagamentos a assessores nas estruturas partidárias. A zona cinzenta da lei é aproveitada ao máximo e a falta de mecanismos de fiscalização, nos parlamentos nacionais e regionais, impedem uma verificação sobre a forma como o dinheiro é aplicado. Ao contrário, o Parlamento Europeu tem regras melhor definidas ao permitir apenas que as verbas sejam canalizadas para assessorias ou trabalhadores com atividade nas instalações do PE.
É neste enquadramento que a Polícia Judiciária, em investigação conduzida pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) e no âmbito de inquérito dirigido pelo DIAP Regional de Lisboa – 1.ª Secção, procedeu, ontem, à realização de 20 buscas, 14 delas domiciliárias, cinco a instalações de partido político, no caso o PSD incluindo a casa de Rui Rio, e uma em instalações de Revisor Oficial de Contas, na zona da Grande Lisboa e na zona norte do país.
Como revela a PJ, a operação foi acompanhada por seis magistrados do Ministério Público, um Juiz de Instrução Criminal e contou com a colaboração do DIC de Setúbal, da ULIC de Évora, da UPFC e UPTI da Polícia Judiciária, tendo participado nas buscas cerca de 100 inspetores e diversos peritos informáticos e financeiros.
"Está em causa a investigação à utilização de fundos de natureza pública, em contexto político-partidário, existindo suspeitas da eventual prática de crimes de peculato e abuso de poderes (crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos), a factos cujo início relevante da atuação se reporta a 2018", explica uma nota da Judiciária.
A verdade é que este expediente é utilizado pelos partidos beneficiando precisamente daquilo que se chama "zona cinzenta da lei", confundindo-se as subvenções públicas resultantes da representação parlamentar de acordo com o número de eleitos, com a atividade partidária que assim é sustentada, parcialmente, por orçamentos exteriores ao próprio partido. Rui Rio diz que todos fazem isso e reage a esta anormalidade com a normalidade de alguns políticos e com a interpretação que o habitual lhe permite.
Se todos fazem isso, ou seja pagar assessorias e funcionários dos partidos com verbas do Parlamento, e isso não é correto por haver orçamentos independentes, então todos cometem uma ilegalidade que as entidades fiscalizadoras e judiciais devem avaliar e decidir. E não é por Rui Rio ironizar com a situação, da janela da sua casa ou dentro do carro clássico, ou mais tarde desviando atenções com a necessidade de melhorar a fachada do bloco de apartamentos (visto e revisto nas imagens), o que por acaso é verdade, que o caso deixa de ser caso a merecer clarificação. Rio é indiciado de peculato e abuso de poder, mas ninguém diz que meteu dinheiro ao bolso. O que se passa é que era líder de um partido e tinha uma assessora partidária paga pelo Parlamento. Seja Rio, seja Costa, seja quem for, deve ter uma postura transparente e não deve deixar pontas soltas. Para quem defendeu uma conduta ética e disse que a Justiça era, de longe, o pior setor ao nível do funcionamento, é ironia a mais quando a Justiça atua.
Esta situação, que daqui a uns dias cai no esquecimento, traz para debate os expedientes da política, a forma como se faz o ajustamento de rubricas para dar a volta ao Tribunal de Contas, as adaptações à legislação para permitir legalizar imoralidades, a divisão de obras em fases para permitir exigências de construtores ou para viabilizar ajustamentos diretos quando há interesse numa determinada orientação,
a suspensão de Planos Diretores Municipais para ajeitar interesses e abrir portas que a "chatice" da burocracia empata, os pagamentos através do Parlamento, que tem orçamento próprio e autonomia financeira, reforçada com regularidade, para iniciativas partidárias, porque a lei das subvenções e do financiamento dos partidos pode ter várias interpretações no que toca às iniciativas políticas a desenvolver. Uma lei onde pode caber tudo. E isso é do interesse de todos, sobretudo dos partidos do chamado "arco do poder". E é por isso que, neste caso, os partidos fecharam-se em declarações, só André Ventura falou. Quando todos mexem na "panela", ninguém se chega à frente para dizer quem "queimou a sopa".
Percebem as razões que levam a que algum eleitorado esteja farto disto e nem votar vai? Percebem que quem chega ao poder político, partidário ou não, deita mão ao poder com o poder todo e esta coisa do mandato pelo voto popular, ainda que sendo democrático, vale para eleger mas não vale para escrutinar sobre atitudes e compromissos? Mas como a Democracia é o menos mau dos sistemas, vamos andar nisto sem solução. Democraticamente nesta "ditadura" de procedimentos e de "fintas" à lei.
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