O privado empurrou para o público e o público "empurrou com a barriga". Passaram-se horas nisto. Há qualquer coisa aqui que não anda bem.
Sempre que há "picos" de afluência às Urgências hospitalares, como por exemplo acontece em todos os finais de ano, juntando os excessos das festas aos surtos gripais e à generalidade de casos relacionadas com as doenças do foro respiratório, o foco do debate passa, invariavelmente, pelas longas esperas de atendimento, pela falta de camas de internamento, pelas altas médicas, de idosos, sem que as famílias os acolham por meios próprios, obrigando o Serviço Regional de Saúde a mantê-los no sistema, com toda a consequência que representa e os constrangimentos ligados ao números de camas disponíveis. Com a agravante de ser elevada a lista de espera para os lares, andará pelo milhar de pessoas, uma outra realidade que tem tendência a se eternizar, agravando, pelos tempos fora, em função do aumento da esperança de vida da população.
Mas esta realidade da Saúde na Madeira não é de hoje, é assim sempre que o serviço sofre pressão acima da média. E naturalmente, é muito difícil controlar o número de acessos dos utentes, cada caso é um caso, e dizer que há recurso às Urgências de casos não urgentes, é uma situação que só pode ser avaliada por técnicos de saúde e não pelos utentes. Se os utentes fossem médicos não precisavam de parecer médico. E nem podemos dizer que não existe um primeiro filtro, designadamente nos centros de saúde. O de Machico, por exemplo, tem estado em pressão diária, o que significa que os utentes não foram logo para o Hospital. Por isso, admitindo que existem utentes que recorrem ao Hospital público por um sintoma aparentemente não urgente, a maioria necessita de cuidados, diferenciados em função da gravidade, e na verdade, há que dizê-lo, o Serviço Público, com todas as deficiências e falhas de gestão, nos medicamentos por exemplo, ainda é aquele que consegue a resposta mais fiável face, por exemplo, ao que se passa nos privados, onde a qualidade dos edifícios não corresponde, por vezes, às soluções necessárias, havendo, não raras vezes, encaminhamento para o público.
De facto, se eventualmente pensarmos que o serviço privado pode ser uma solução alternativa ao público, que tem seguros de saúde e pode optar pelo privado através da Convenção, essa realidade, em muitos momentos, é apenas verdadeira para casos de maior simplicidade ou de menor complexidade médica. Existem profissionais à altura, há um contexto mais agradável, não é a imagem dos corredores públicos, mas quando o acompanhamento se complica, os utentes são encaminhados para as unidades públicas de saúde por falta de especialistas disponíveis no privado, designadamente em horário noturno. Pode ser muito mormal, mas não fica bem uma solução ser uma não solução. Não tem especialista, devia ter, pelo menos contactável, para casos ali tratados numa primeira linha.
E encaminhando para o público, naturalmente que "asfixia" ainda mais estas unidades, uma realidade que deveria merecer a atenção dos agentes de Saúde exigindo resposta do público, sempre na primeira linha do atendimento, mas criando sinergias com obrigações complementares de privados, no âmbito da política da Região, e bem, de envolvimento das unidades privadas no atendimento dos utentes que pretendam recorrer ao serviço privado beneficiando da medicina convencionada.
A este propósito, chegaram-nos dois relatos de situações que, não obstante serem recorrentes, soam a estranho para leigos na matéria e talvez merecesse uma explicação como se tivéssemos quatro anos, para colocar alguma ironia num caso muito sério.
Um utente dirige-se ao Hospital Particular da Madeira, com um determinado problema, sai medicado depois de exames. Atendimento normal. A medicação não resulta, como se esperava, o utente regressa no dia seguinte. Dizem que a situação exige a intervenção de um especialista e o Hospital Particular não tem. Ou seja, não tem solução para um atendimento que ali teve início e cobrou por isso, o que é natural, não é essa a questão. Mas a terapêutica, não resultando, devia refletir uma resposta dos serviços próprios. Menos natural é o utente ser encaminhado, com uma carta, para o Hospital Dr. Nélio Mendonça, unidade pública de Saúde, por falta de resposta do Privado para com um seu doente. E dizem que é uma situação recorrente em várias especialidades. Com carta ou sem carta, o doente foi mandado para casa, talvez porque o Hospital público não tinha especialista. O privado empurrou para o público e o público "empurrou com a barriga". Passaram-se horas nisto. Há qualquer coisa aqui que não anda bem.
Outro caso prende-se com uma intervenção cirúrgica a uma criança, no privado, com um "conselho" à família: se houver complicações, vá ao público. E foi o que aconteceu. Assim, "é dinheiro em caixa" e uma mensagem clara: o público tem defeitos, tem falta de estratégia muito por falhas também do poder político, que às vezes faz do sector uma arma eleitoral, mas vários episódios demonstram que o melhor mesmo é investir numa unidade pública de "ponta", o povo paga e merece. O privado é outra coisa completamente diferente.
Observação: relativamente aos atendimentos, é importante salvaguardar os excelentes profissionais, tanto no público como no privado, que são inexcediveis na forma de interagir com os utentes, quer do ponto de vista profissional, quer pessoal. O resto, a minoria, também conhecida, de comentários desagradáveis e de "leveza" de tratamento em casos de utentes mais vulneráveis e simples, representam uma ínfima parte, provavelmente seriam facilmente dispensáveis num critério mais rigoroso de recrutamento ou de fiscalização mais apertada que não se escudasse no corporativismo.
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